top of page

O ultraje e a truculência como vetores de mudança

* Artigo de opinião escrito por Clóvis Borges é diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e integrante do Observatório Justiça e Conservação 

Como registro negativo que não deverá ser esquecido pelo mundo tão cedo, o Brasil entra na história em 2019 pela inconsequência e irresponsabilidade com a qual o governo e parte de seus apoiadores tratam a maior floresta tropical do mundo. O comportamento da nova gestão federal, mesmo antes de tomar posse, estabeleceu, de forma sistemática, cenários falsos em relação a temas ambientais. Ao mesmo tempo em que promoveu um estímulo explícito para avanços ilegais sobre áreas naturais. Não bastasse esse conjunto de improbidades, repercute o desmonte dos órgãos ambientais de controle, somado às tentativas de mudanças das leis ambientais. Como fica muito evidente, todo esse conjunto de procedimentos estabelece uma condição de aceno à manutenção e incremento a processos grosseiros de exploração de nossos recursos naturais.

Interpretar os pronunciamentos chulos, abaixo da crítica, aportados diariamente por representantes políticos como uma demonstração de profunda ignorância somada a indícios contundentes de má intenção, embora corresponda com a verdade, não isenta todos os participantes do atual governo da corresponsabilidade com os desmandos que colocam em risco a economia, o meio ambiente e a saúde de toda a sociedade brasileira. Mesmo as piores expectativas sobre a conduta de uma gestão que preconiza a destruição da natureza como modelo de desenvolvimento de um país, não poderiam prever o caos instalado em poucos meses de intervenções profundamente desastrosas.

A luta no campo político, jurídico e técnico está em pleno curso, sendo improvável que sigam de forma até aqui tão frouxa, ambições alardeadas como “promessas de campanha” ou “correções de rumo” para gerar riquezas. O que estamos assistindo de fato são tentativas perniciosas de atendimento aos principais apoiadores que motivaram a vitória para o Planalto. Grupos setoriais que estabeleceram faz décadas, uma primorosa capacidade de intervenção para práticas distantes do interesse público, justamente por prestigiarem, de forma excessiva, o atendimento a favores que criam vantagens pontuais e, ao mesmo tempo, demandam graves prejuízos coletivos à toda a sociedade.

A reação mais qualificada que pode advir do mar de barbaridades que assistimos no dia-a-dia diz respeito a mobilização da sociedade, em especial os jovens. A sociedade brasileira tem hoje dificuldades evidentes para estabelecer uma identidade destituída de estigmas recentes e desprendida de vinculação partidária. De fato, está nas mãos dos jovens a condição de desapego com o poder e com o atendimento a falcatruas armadas visando benefícios ilícitos. Eles estão na plena condição de cobrar respeito e um mínimo de dignidade a uma gestão pública que se comporta de forma reprovável. A agenda ambiental está tão ameaçada que agride cada cidadão brasileiro. Uma vergonha sem precedentes nos assola, impondo a busca por um basta nos desmandos que colocam em risco a todos nós.

Ir para as ruas e estruturar campanhas que demonstrem a preocupação dos jovens brasileiros em relação ao país que lhe será aportado nos anos seguintes é uma demanda que se mostra tão relevante quanto o ar que respiramos.  Ar que hoje está acompanhado de fuligem de uma floresta que arde, na Amazônia e no resto do Brasil. O desatino criminoso em que estamos metidos tem que cessar. Apoiar e participar dos movimentos sociais independentes que agregam jovens protestando contra os tomadores de decisão do governo brasileiro e de grandes grupos setoriais é uma ação de exercício de cidadania com grande capacidade para gerar mudanças.  E que precisa se tornar uma prática de grande escala em nosso país.

A espelho do que vem ocorrendo em outras regiões do mundo, a crise ambiental é algo que não pode ser ignorado. Está em jogo, como nunca, a qualidade de vida das gerações futuras. No entanto, ao mesmo tempo que que as evidências dos desastres que já se mostram na prática, uma linha de comportamento muito bem estruturada mantém a posição de negação da realidade para impor cenários fictícios e que alimentam caminhos contrários a coerência e ao bom senso.

O Brasil, de fato, está irrespirável. Em especial para os jovens que, em sua grande maioria, não estão dispostos a aceitar a continuidade da destruição e a imoralidade que assola nosso país. Estamos sendo sujeitos a uma agressão proposital, que não pode continuar. Somado a uma predisposição a restrições econômicas, ademais, já bastante próximas de uma condição de efetividade. Para as ruas, como os jovens, em busca de freio à insanidade planejada que rege a atual gestão pública federal e seus muitos comparsas.

bottom of page