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A produção de natureza como modelo de desenvolvimento

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  • há 1 dia
  • 4 min de leitura

Conservar não é um custo, mas uma chave do progresso sustentável, que traz benefícios sociais, econômicos e ambientais concretos


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por Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental)


No senso comum, persiste a ideia de que preservar a natureza é um luxo, um custo sem retorno palpável. Tal percepção, além de equivocada, é perigosa, pois mascara o enorme potencial da para gerar benefícios concretos às pessoas, especialmente àquelas vivendo próximas ou inseridas em áreas naturais. 


Hoje, falar em “produção de natureza” é reconhecer que proteger a biodiversidade é uma forma eficaz de gerar renda, empregos, serviços ambientais e resiliência diante da emergência climática.


O litoral e o norte do Paraná têm exemplos claros desse modelo. Durante décadas, a Mata Atlântica local foi desmatada para abrir pastos — muitas vezes para criação de búfalos — resultando na degradação de nascentes, solos e habitats. A conversão de florestas em áreas abertas representava uma economia centrada na exploração imediata de recursos naturais. 

Contudo, esse ciclo começou a ser revertido nos anos 1990, quando surgiram iniciativas como a da SPVS, voltadas à compra e restauração de terras. Essas ações levaram à criação de reservas naturais privadas, onde o foco passou a ser a regeneração ambiental e o incentivo ao turismo sustentável. 


A SPVS atua desde os anos 1980 na conservação da Mata Atlântica, com projetos de proteção florestal, fauna nativa e educação ambiental. É referência em iniciativas de compensação ambiental e parcerias sustentáveis com empresas e comunidades.


Naquela região, um dos maiores avanços foi a conversão de antigos desmatadores em defensores da floresta. Gente que antes manejava o machado passou a cuidar das trilhas, conduzir visitantes e proteger a fauna contra a caça ilegal. 


Assim, a produção de natureza é uma resposta concreta e eficaz a antigos modelos de uso do território. Hoje, mais de 340 espécies de aves já foram avistadas num único dia nas áreas conservadas da Grande Reserva Mata Atlântica. Isso não é apenas um indicador biológico — é um ativo econômico. Observadores de aves, pesquisadores e turistas de diversas partes do Brasil e do mundo buscam essas experiências, movimentando a economia de inúmeros municípios.


O turismo de base ecológica gerado por essas áreas tem resultados expressivos: são milhares de visitantes anuais, centenas de empregos diretos e indiretos e novas oportunidades para jovens que antes precisavam deixar suas comunidades. Além disso, reservas como Salto Morato, da Fundação Grupo Boticário, servem de palco para centenas de estudos científicos, ampliando o conhecimento sobre biodiversidade, espécies invasoras e soluções baseadas na natureza.


Nesse escopo, é preciso destacar o papel pedagógico das reservas naturais. Ao receberem escolas, universidades e pesquisas, elas se tornam verdadeiras salas de aula ao ar livre. Estudantes têm contato direto com a vida selvagem, compreendem na prática o ciclo da água, o papel das florestas e os impactos da ação humana no meio ambiente. 


Mas, a produção de natureza não se limita ao turismo ou à ciência. Ela impacta diretamente a arrecadação de recursos públicos. Em Antonina, por exemplo, o ICMS Ecológico já rendeu mais de R$ 9 milhões anuais ao município — valor comparável ao arrecadado pelo porto local. E dois terços desse montante derivam da boa gestão de reservas naturais. A floresta bem cuidada vale tanto quanto grandes empreendimentos industriais, e sem gerar passivos ambientais.

Esse modelo também contribui diretamente para o cumprimento de metas nacionais de conservação, como as estabelecidas no Plano de Ação da Biodiversidade (EPANB), que valoriza áreas protegidas e a gestão participativa dos territórios. No plano internacional, as reservas privadas ajudam o Brasil a avançar na meta de proteger 30% de seus ecossistemas até 2030, conforme o Marco Global da Biodiversidade das Nações Unidas.


Não menos relevante é o fortalecimento institucional derivado da conservação bem estruturada. Quando organizações da sociedade civil atuam com base técnica, transparência e resultados concretos, conquistam confiança social e institucional. Isso permite o estabelecimento de parcerias duradouras, atrai investimentos e consolida políticas públicas de sustentabilidade. 


O modelo se fortalece também por meio de inovações como os “créditos de biodiversidade”. Recentemente, a SPVS firmou um contrato com o Complexo Pequeno Príncipe, referência nacional em saúde infantil, para compensar impactos ambientais com base em áreas protegidas. 


Cada crédito é um instrumento de mercado que representa benefícios mensuráveis de conservação, como proteger espécies ou habitats. Empresas podem comprá-los para compensar impactos ambientais negativos. Logo, são alternativas auditáveis que conectam diferentes setores à sustentabilidade.


Em suma, reservas naturais prestam serviços cruciais ao proteger nascentes, conservar o solo e manter o microclima. Sem elas, muitas fontes d’água estariam degradadas pelo assoreamento. As matas preservadas garantem o abastecimento nas cidades e no campo. 

Manter a floresta em pé é igualmente um investimento que atrai recursos, inovação e turismo. Fortalece culturas locais, apoia comunidades e oferece perspectivas para jovens e mulheres. Promove redes de cooperação e desenvolvimento sustentável. Esse modelo integra prosperidade com respeito aos limites do planeta.


A produção de natureza é uma via legítima e urgente de desenvolvimento. É uma necessidade baseada em evidências, experiências bem-sucedidas e indicadores socioeconômicos consistentes. Que ela possa ser compreendida, replicada e fortalecida no Brasil todo. O futuro do país e do planeta dependem disso.


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