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OPINIÃO – Curitiba precisa urgente de políticas para garantir futuro da região

Curitiba precisa de políticas ambientais conjuntas com a RMC. Foto: Maurilio Cheli_Prefeitura de Curitiba


Para garantir uma boa gestão pública nos próximos anos, será fundamental usar como inspiração os muitos avanços inovadores de gestão urbana, estabelecidos nas décadas passadas, que proporcionaram um padrão diferenciado à Curitiba, capital do estado do Paraná. Notadamente, vem sendo muito importante para a cidade a criação de um grande número de áreas públicas com vegetação natural, como os parques municipais, e de outras áreas que guardam remanescentes nativos de Floresta com Araucária, Matas de Galeria, Campos Naturais e Banhados.

Mais recentemente, com o advento de uma Lei Municipal que permite a criação das Reservas Particulares do Patrimônio Natural Municipal (RPPNMs), surgem novas Unidades de Conservação, fazendo uso de um mecanismo de incentivo econômico denominado “troca de potencial construtivo”. Esse foi um pleito conquistado com o esforço conjunto de proprietários, instituições conservacionistas e da Prefeitura e Câmara Municipal, numa demonstração de entendimento da sociedade sobre a importância de valorizar os remanescentes naturais em áreas urbanas.

São iniciativas como estas que diminuem sensivelmente as condições de insalubridade de ambientes com intensa ocupação que caracterizam as cidades de maior porte, melhorando o bem estar das comunidades de diferentes formas, incluindo a contemplação e o lazer, tão festejados nos parques da cidade. No entanto, estes são apenas alguns dos serviços prestados pelas áreas naturais, sendo muito relevante esclarecer que estes espaços conservados também são importantes para mitigar os efeitos de enchentes, melhorar o microclima local, atenuar a sensação térmica em dias de temperaturas muito elevadas, manter uma diversidade de espécies de nossa flora e fauna nativas, dentre muitos outros ganhos que são coletivizados com toda a sociedade.

Por outro lado, o crescimento de Curitiba foi acompanhado pelo significativo crescimento populacional de outros municípios da Região Metropolitana, em especial aqueles mais próximos, que circundam seu perímetro. Apesar das gestões formalmente separadas, dentro de uma legislação que ainda gera diversos impedimentos de interações mais efetivas no território, as divisões políticas são hoje mero detalhe, pois o que se observa é uma enorme área metropolitana que, aos poucos, está se transformando num conjunto único e interdependente.

Os avanços para implantação de novas áreas para atender às pressões de habitação, indústrias e outros usos, incluindo ainda a destruição de remanescentes naturais para práticas agrícolas, são bem características em praticamente todos os municípios da Região Metropolitana – um cenário de descontrole que representa um alerta muito preocupante. As áreas de mananciais que abastecem Curitiba estão todas localizadas nos municípios de entorno. E a falta de políticas integradas mais robustas e inovadoras, que permitam a efetiva proteção destas áreas naturais, fundamentais para garantir um futuro com segurança hídrica e anteparo aos diversos tipos de eventos climáticos extremos, vem colocando em sério risco o futuro de toda essa região.

Mananciais da Serra e Reservatório do Carvalho, na Grande Curitiba. Foto: Sanepar


A permissividade coletiva que acarreta a degradação continuada de áreas naturais estratégicas no entorno da cidade, é também um problema de Curitiba. E precisa ser enfrentado pelo município mais populoso e que depende dessas áreas para existir. Apesar de alguns esforços pontuais já formalizados na gestão pública municipal, que apontam para a necessidade da criação de um Fundo Metropolitano de Conservação de Áreas Naturais, a proposta sofre impedimentos para sua criação a partir de argumentações de que a lei atual não permite que a capital do Paraná aloque investimentos fora de seu perímetro. Ao mesmo tempo, mudanças da legislação e adequações legais que gerem aportes de recursos de forma a evitar esse tipo de obstáculo, claramente não fazem parte das prioridades das gestões presentes e passadas.

O caso de Nova Iorque, onde, há mais de cem anos, funciona uma política de aquisição de áreas naturais e de acordos com proprietários, limitando o uso da terra perante acertos financeiros e de comum acordo – os “conservation easements” é emblemático. Hoje, essa megalópole tem água abundante e de qualidade excepcional, economizando recursos bilionários que seriam utilizados em tratamento e mantendo uma condição de viabilidade para os negócios e para o bem estar da população. Exemplos como esse permitem uma percepção bastante óbvia de que a destruição de áreas no entorno de grandes cidades, de forma descontrolada, não pode gerar uma condição de futuro desejável para a população.

Que a inspiração decorrente de tantas iniciativas inovadoras de décadas passadas, que tanto orgulho fornecem aos curitibanos e seus vizinhos, reflita logo em políticas públicas mais assertivas, na escala e na qualidade que uma demanda que já se mostra de caráter emergencial. Não podemos protelar os esforços para fazer frente à desintegração diária das áreas naturais que ainda nos proporcionam as condições básicas para funcionar como uma cidade que pretende manter-se como referência no Século 21. É preciso evitar medidas paliativas e de cunho meramente demonstrativo. O momento demanda posições mais determinadas, capazes de gerar escala e mudar cenários.

O argumento retórico de que Curitiba não pode realizar  investimentos de fora do seu perímetro soa mais como uma acomodação e falta determinante de vontade política. Também cabe considerar a existência de pressões vindas da especulação imobiliária, com sua ampla permeabilidade de influência. Afinal, muitos negócios rentáveis são viabilizados a partir da invasão em terras que deveriam ser protegidas. Não apenas é possível a criação de um fundo, mas sua operacionalização a partir de uma estrutura voltada a esta finalidade (a exemplo de um consórcio intermunicipal). Providências desta natureza dependem, única e exclusivamente da boa vontade dos governantes e de uma visão estratégica e de longo prazo.

De fato, todos os habitantes da metrópole usam (e abusam) dos serviços advindos das áreas naturais circundantes, em especial, os grandes negócios, que dependem diretamente da água para que possam existir. Num contexto mais amplo, cada atividade econômica existente nesse território causa um impacto ambiental que poderia estar sendo mitigado com um aporte de recursos destinados à proteção efetiva de sua garantia de existir daqui a alguns anos: os nossos mananciais.

Se não assumirmos, todos juntos, estratégias efetivas, com a responsabilidade de limitar a invasão de territórios que deveriam ser considerados prioritários para sua proteção integral, momentos dramáticos como os vividos ao longo dos últimos quase três anos, se repetirão, de forma cada vez mais intensa e frequente, afetando fortemente a economia e a vida de cada um de nós.

Feliz Aniversário Curitiba 330 anos. Que esta data nos traga oportunidades de reflexão urgentes e fundamentais.

Clóvis Borges é diretor-executivo da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental). 

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