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OPINIÃO – Sistemas agroflorestais: símbolos de uma economia resiliente, inovadora e regenerati

A compreensão do meio ambiente como um aliado do desenvolvimento econômico oportuniza ao Brasil se posicionar como protagonista global de uma nova “economia regenerativa”. Foto: SPVS_Divulgação


A Mata Atlântica é a casa de cerca de 70% da população brasileira e, apesar de ter sido devastada e reduzida a cerca de 7% de sua cobertura original, ainda guarda grande parte da biodiversidade brasileira. Além da imensa riqueza biológica que abriga, a Mata Atlântica também é uma importante provedora de serviços ecossistêmicos, que são aqueles benefícios que só uma floresta conservada pode gerar: produção de água, ar puro, controle do clima, entre tantos outros “favores” que a natureza proporciona e são tão importantes para a perpetuação de uma economia e sociedade prósperas e resilientes.

A conservação do bioma implica não só em proteger as áreas mais sensíveis e extensas que ainda existem, mas também em gerar alternativas de renda compatíveis com a conservação da biodiversidade e que permitam a continuidade da geração dos serviços ecossistêmicos na paisagem.

Os sistemas agroflorestais (SAF) são sistemas produtivos que permitem o casamento perfeito entre a conservação da natureza e produção de alimentos, madeira, sementes ou frutos. Na agrofloresta, há a união da tecnologia da floresta tropical com as técnicas de agricultura para criar ambientes produtivos que sejam amigos da natureza. Parece inovador, não é mesmo? Mas nem tanto.

Agroflorestas: herança dos povos originários 

A agrofloresta representa mais o resgate dos conhecimentos ancestrais e o entendimento dos processos ecológicos do que a “invenção da roda” como muitos vendem por aí. Essa solução sempre esteve presente nas comunidades tradicionais e entre os povos originários sul americanos, que possuem um riquíssimo conhecimento sobre como cultivar alimentos em harmonia com a floresta.

A criação de uma agrofloresta começa pelo respeito ao conhecimento tradicional da comunidade onde esse sistema será implantado. A comunidade sempre saberá qual é a melhor variedade de mandioca, onde estão disponíveis os frutos nativos da estação e qual é a época certa de plantar o milho, por exemplo.

Associado a esse conhecimento tradicional, os técnicos escolhem os melhores espaçamentos entre as plantas, planejam quais e quando elas serão plantadas e projetam o funcionamento desse sistema ao longo dos anos. Diferente da agricultura tradicional, que é baseada na monocultura e na seletividade, na agrofloresta o grande trunfo é a diversidade.

Nos SAF são aproveitados todos os raios solares e essa floresta produtiva é pensada como um grande condomínio de edifícios, onde em cada andar se produz uma cultura que tem exigência diferente de luz e nutrientes. Isso permite a otimização da área e a produção de múltiplos alimentos e produtos no mesmo espaço, oferecendo oportunidades de geração de renda e uma alimentação mais equilibrada para a família produtora rural.

Além de sua função produtiva, os SAFs também são abrigo para a fauna, servem como uma fábrica de serviços ecossistêmicos e ainda acumulam carbono, podendo ser importantes aliados do combate à mudança do clima.

Cooperação internacional para fomentar SAFs 

SPVS, uma organização do terceiro setor que atua há quase 40 anos no litoral do Paraná, está apostando na agrofloresta como uma alternativa complementar e agregadora aos sistemas produtivos vigentes na região.

O pontapé inicial neste projeto foi o plantio de cerca de 50 mil m² de agrofloresta (equivalentes a 5 campos de futebol) em áreas próprias e de agricultores parceiros na região conhecida como Grande Reserva Mata Atlântica, que consiste no maior contínuo de Mata Atlântica ainda conservado que permeia os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

Atuando em parcerias com a ReNature, organização internacional que utiliza o vasto potencial da Agricultura Regenerativa na luta contra os desafios mais prementes de hoje – como mudanças climáticas, pobreza, perda de biodiversidade e insegurança alimentar – e também no âmbito do Projeto Biodiversidade e Mudanças Climáticas na Mata Atlântica, o projeto é realizado pelo Governo Brasileiro, coordenado pelo Ministério de Meio Ambiente (MMA), no contexto da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, no âmbito da iniciativa Internacional de Proteção do Clima (IKI) do Ministério do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha (BMU) e tem apoio financeiro do KfW Entwickçungsbank (Banco Alemão de Desenvolvimento), por intermédio do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – FunBio.

A SPVS, atua há quase 40 anos no litoral do Paraná e vem apostando na agrofloresta como uma alternativa complementar e agregadora aos sistemas produtivos vigentes na região. Foto: SPVS_Divulgação.


Os SAFs desenvolvidos pela SPVS são baseados no uso de espécies nativas da Mata Atlântica e produção de culturas alimentares tradicionais como mandioca, banana, inhame, feijão, entre outros. As frutas nativas da Mata Atlântica são a grande aposta desse sistema, pois, além de deliciosas e nutritivas, possuem um grande potencial no mercado de cosméticos, farmacêutico, gastronômico e de geração de novos produtos.

Entre as frutas cultivadas, merecem destaque a cereja do rio grande, a grumixama, o araçá e a juçara. Esta última produz uma polpa semelhante ao açaí, que é nativo da Amazônia e viaja milhares de quilômetros até o mercado consumidor do sul/sudeste. Embora essas e outras frutas disponíveis na Mata Atlântica ainda sejam desconhecidas pelo grande público, elas sempre estiveram presentes nos quintais Brasil afora.

O meio ambiente é um aliado no desenvolvimento econômico

A sobrevivência da Mata Atlântica e a consequente continuidade da geração dos serviços ambientais de forma perene para milhões de brasileiros requer esforços múltiplos, que envolvem o poder público, a sociedade e as empresas. O ambiente rural e periurbano tem papel fundamental nesse contexto, e o produtor rural é um importante ator na geração dos serviços ambientais que são desfrutados pelos habitantes das grandes cidades.

A escolha não é muito difícil: começamos a agir agora rumo a uma economia mais resiliente, inovadora e regenerativa ou estaremos fadados a um futuro incerto com sérios prejuízos na geração de serviços ecossistêmicos e submetidos de maneira irreversível as mazelas da mudança do clima.

Rodrigo Condé é Mestre em Engenharia Florestal pela UFPR, Engenheiro Florestal na re.nativa – soluções baseadas na natureza – é especialista no uso de espécies nativas e atua com treinamento, projetos, implantação e monitoramento de sistemas agroflorestais e restauração florestal produtiva na região da Grande Reserva Mata Atlântica (PR, SC e SP) e consultor da SPVS.

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